segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Fé

A Religiosidade do Ilhéu, a Cruz, o Cruzeiro e o Rito

O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no Mundo, duas situações existênciais assumidas pelo homem ao longo da sua história. (ELIADE, 2001:20)


A religiosidade na Ilha dos Marinheiros possui uma característica única, ou seja tem sua trajetória fundamentada na religião católica apostólica romana e na herança cultural religiosa portuguesa. Na ilha não existia até pouco tempo, outra prática religiosa, que não fosse a católica.
A religião praticada na ilha é a professada pela Igreja Católica Apostólica Romana. O cristianismo, que se baseia no antigo testamento, na Bíblia e na doutrina de Jesus Cristo, que tem na cruz a sua principal identificação, caracterizando os cristãos.
A cruz faz parte da trajetória bíblica e tem uma estreita relação com a figura de Cristo. A veneração à cruz reafirma a crença em Jesus e resume a união entre o céu e a terra. Portanto, percebe-se que a cruz, vista como símbolo, exerce uma importante função ao realizar a ligação do mundo humano com o sagrado.
É a cruz que estabelece a ligação do homem com a divindade, com Deus. É diante da cruz, símbolo que cumpre uma função poderosa de ligação com o sagrado, que o homem entra em contato com o divino, através das preces, dos pedidos, da veneração, da adoração, e onde os agradecimentos são exteriorizados como expressão máxima de uma cultura religiosa. Geertz (1989) vê este símbolo como parte de uma experiência unificadora;


(...) se revela de forma contínua e dialética, pois transforma simples objetos (como uma madeira) em uma potente realidade de transcendência, oportunizando uma ligação com o sagrado, fazendo circular por um código o todo num simples fragmento. (internet-ver religiosidade e cidade – o Santuário de Santa Cruz dos Milagres –Pi).

O fenômeno religioso tem a atenção despertada, em parte, pela tradição ao culto, mas também pela herança histórica católica portuguesa que as populações herdaram e mantêm viva, como uma forma de ligação entre o céu e a terra, entre o sagrado e o profano, entre a pátria mãe e a terra onde vivem, constituindo importante patrimônio histórico e cultural. Aqui a memória desempenha um importante papel de sedimentação na formação de uma identidade cultural própria da ilha dos Marinheiros e intimamente ligada à vida com o mar. Brandão aponta ‘(...) e logo o sentimento duma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar” (BRANDÃO, 1924 apud DIEGUES, 1998: 212).
Lukács (2003) postula, da possibilidade de determinada “classe”, e aqui se vê o ilhéu com esta visão, de que ela, a classe, pode estabelecer uma visão de mundo particular e, ao formar a sua memória, constituir-se em um grupo com uma percepção especial sobre a sua história, a partir da memória coletiva, que é constituída de diversas memórias individuais, o que Halbwachs define como que “(...) nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros (HALBWACHS, 2006:30), constituindo a memória de um grupo.
Então, esta ligação que a cruz oportuniza com o sagrado, é para o homem religioso, a oportunidade de viver a dicotomia que a vida proporciona, de dois tempos distintos, um tempo primordial, sagrado e que é “(...) santificado pelos deuses e suscetível de tornar-se presente pela festa” (ELIADE, 2001:65) no fato religioso, e de outro tempo: o temporal, quando o homem trabalhava e vive o cotidiano inserido no mundo.
“O mundo insular” (DIEGUES, 1998:13) constitui-se de redutos socioculturais com espaços geográficos – culturais, específicos que possuem representações simbólicas únicas e práticas sociais singulares que orientam as ações daqueles habitantes e normatizam seus comportamentos na comunidade.
Sendo o ambiente insular rodeado pelo mar, as imagens arquetípicas destas populações são produzidas pelo “(...) inconsciente coletivo (a ilha refúgio, a ilha paraíso)” (DIEGUES, 1998:15), característico das populações continentais, e que ainda segundo Diegues diferem da realidade ilhéu que, “(...) representam simbolicamente o território em que vivem, usando segundo as épocas históricas, imagens e símbolos cujos significados podem ser diferentes dos usados pelas sociedades não insulares ou continentais” (DIEGUES, 1998:18).
O homem insular não vive isolado do cosmos, mas completamente envolvido nele, pela natureza, e sua “(...) identidade emocional inconsciente” (JUNG, 86:1973) é extremamente ligada aos fenômenos naturais, uma vez que sua vida é regida pelo tempo cíclico das estações climáticas e do ritmo da natureza. Os particularismos da gente do mar e dos habitantes insulares envolve, em geral, desde os rituais que antecedem a saída para a pesca, à própria pesca e vão do lançamento dos barcos ao mar até o seu retorno. Sobressai ainda a escolha dos companheiros de trabalho e que vão na parelha, assim como o modo de falar e a forma como enfrentam a dualidade da relação água-terra.
O linguajar próprio com expressões praieras como diz Marques (1973) caracteriza também o ilhéu que não é ‘mitrado’ e nem não gosta de ‘bater a costera’ mas que gosta de falar das ‘coisa osca’ e preza o fato de ser dono de si mesmo e ter esta impressão de liberdade, embora a segregação imposta pela natureza de se ver rodeado de água e isolado, e por isso conserva quase que intacta as tradições firmadas de “(...) sua cultura e o seu primitivismo social”(MARQUES, 1973: 15) mesmo diante da interferência de outras culturas e grupos sociais.
Mas estes insulares da ilha dos Marinheiros são ligados a um outro tipo de atividade além da pesca, que é a atividade agrícola. Pois estão submetidos à sazonalidade da safra pesqueira e às leis existentes pelo período da desova dos peixes, assim, estes insulares se dedicam também à agricultura em regime familiar.
A reprodução social e cultural que advém desta dualidade de vida entre a terra/mar somada ao componente da cultura portuguesa, dão a este insular um sentido muito forte do sagrado e das suas relações com o sobrenatural. As intempéries do mar, a incerteza da safra agrícola e a sujeição à natureza e aos seus fenômenos não controláveis, dotaram este habitante insular de um forte caráter social e religioso impregnado de misticismo e superstição.
Aliado a está característica, existe o culto às imagens (iconolatria), característico das comunidades portuguesas e católicas, em que “(...) buscam enfatizar a centralidade do sagrado”(CAMURÇA & GIOVANNINI JR., 2003: 229) em suas vidas e reúnem elementos que norteiam seus atos e demonstram, com os símbolos, os significados e os conceitos de sagrado e profano reunidos pela comunidade.